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Colapso ambiental e crítica imanente do capital



O colapso ambiental é caracterizado por um conjunto de mudanças ecológicas que afetam as sociedades e que têm no aquecimento global e na mudança climática a expressão imediata de maior repercussão. Muito se tem discutido sobre o tema e, na maioria das vezes, ficamos presos à imediatidade das ocorrências de enchentes, secas ou calor extremo. Para aqueles que admitem a existência de uma crise ecológica, (1) alguns afirmam que se trata do Antropoceno, a nova era geológica da Terra caracterizada pela ação humana predatória sobre a natureza, incluindo a queima de combustíveis fósseis; (2) outros sustentam que a crise ecológica é provocada pela ação do capitalismo devastando a natureza (Capitaloceno).


Tanto a perspectiva 1 quanto a 2 operam com a lógica de um fator externo transcendente que impacta a natureza, entendida como pura objetividade vilipendiada pela ação do homem ou do capital. Assim, a ação do homem ou do capital provoca o desequilíbrio ambiental ou, no caso das correntes do ecossocialismo, a fratura metabólica é entendida de forma dualista: o Capital destrói a natureza.


Nossa hipótese é outra: a natureza convulsionada pelo colapso ambiental não é a natureza virgem - pura e equilibrada - do Antropoceno, degradada por conta da ação humana ou da ação do capitalismo industrial de matriz energética baseada em combustíveis fósseis. O que temos diante de nós - convulsionada - é a Natureza do capital.


Assim, diferentemente de admitir que o capital “está lá fora” agindo contra a natureza, provocando uma “fratura metabólica” e alienando o homem, admitimos – pelo contrário – que o capital é a própria natureza que colapsa – ou melhor, a natureza que colapsa é o colapso da forma-capital.


Assim, o colapso ambiental é – de fato – o colapso da forma-valor que nos constituiu enquanto entes sociais naturais.


A natureza que colapsa é a Natureza do capital. Não existe natureza virgem, primeira natureza afetada pelo capital como ente exterior. Salvar a natureza sem ir além do capital, é salvar – o que é insustentável – a Natureza do capital. Medidas paliativas apenas reproduzem o insustentável, pois o colapso ambiental expôs efetivamente – para além das contradições fundamentais do capitalismo - a presença das contradições metabólicas do capital.


Por isso, o colapso ambiental é manifestação irremediável da crise estrutural do capital entendendo o capital como sendo a forma estranhada de sociometabolismo hoje dominante.


Para Marx, a natureza está originariamente integrada aos humanos pelo trabalho. Mas na medida em que surgiu historicamente o trabalho estranhado, a Natureza foi alienada dos humanos. Ela tornou-se – na medida em que o sistema foi-se desenvolvendo - a Natureza do capital.


É a partir do conceito de “trabalho estranhado” que Marx inicialmente refletiu sobre a forma-capital (o que só iria completar com a crítica da economia política). Foi a partir da crítica do trabalho estranhado que Marx nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, refletiu sobre a Natureza, mas expondo-a na sua dimensão negativa, isto é, como aquilo que foi alienado dos humanos - como Natureza do capital.


Na verdade, ao invés de imaginar uma Natureza pura e virgem, defrontada pelo capital, Marx põe elementos para refletirmos sobre a Natureza – no fundo – como forma mediativa do estranhamento que defronta os humanos - e da qual eles fazem parte tendo em vista que eles são parte da Natureza do capital.


 É importante defender a seguinte idéia:


O colapso ambiental não diz respeito ao colapso do meio-ambiente, como se pensa usualmente, mas também ao colapso dos humanos (e da humanidade). Este fato histórico é a prova cabal de que o socialismo é – mais do que nunca - uma necessidade histórica face aos desafios postos pela crise estrutural do capital.


 Vejamos como vou defender esta hipótese:


Nos escritos de 1844, Marx nos apresentou perspectivas do significado de Natureza que podemos considerar como aspectos da Natureza do capital porque é esta Natureza que se defronta diante de nós.


Marx não idealizou a Natureza mas a tratou como fato empírico que manifesta - em si - a forma social historicamente dominante (o poder sociometabólico do capital).


Eis as formas da Natureza subsumida ao poder sociometabólico do capital (a Natureza do capital). É esta Natureza que está sendo convulsionada pelas suas contradições internas fundadas na forma-valor e no sociometabolismo do poder do capital:


[Todas as citações de Marx dizem respeito ao livro "Manuscritos econômico-filosóficos", Boitempo editorial, 2016]


- A natureza produzida

A natureza produzida é o mundo de mercadorias que os humanos - a força de trabalho proletária - criaram, mas que eles não reconhecem como sendo seus. É o mundo sensorial externo, os objetos da natureza apresentados como um mundo estranho que os confronta de maneira hostil. É o produto da atividade prática humana, que Marx mais tarde caracterizaria como sendo uma “imensa coleção de mercadorias”, coisas que exercem um poder sobre ele [o “fetiche da mercadoria”].


A natureza produzida é a natureza ambiente produzida pelos humanos ou a natureza-mercadoria que se volta contra ele.  Pode ser um objeto da natureza natural - rio, floresta, prados e bosques, por exemplo – todos são formas de natureza produzida mesmo que mantenha sua forma "virgem", não deixando de serem reservas de valor (pode-se considerar como objeto da natureza produzida, formas determinadas de microrganismos patógenos - isto é, vírus, bactérias e fungos, - resultados da interação matéria orgânica - meio-ambiente - ser social. Tais "objetos" orgânicos ou quase-orgânicos tem um efeito sobre a natureza constituida - no caso o organismo dos humanos provocando afecções que - sob o colapso da Natureza do capital - pode ser responsável pelo colapso sanitário - outro aspecto do colapso ambiental - que não trataremos aqui ).


É o mundo exterior sensorial: ”[...] é uma natureza exterior sensível que tem um poder sobre eles [nós, humanos - GA] e não apenas – ela os confronta hostilmente”. A natureza produzida é o ecossistema apropriado pela indústria. É o espaço dos objetos técnicos – coisas ou meios de produção que funcionam como capital. É a natureza produzida pelo capital que o faz a sua imagem e semelhança.


Tais objetos da natureza produzida confrontam hostilmente os humanos porque eles não têm o controle social dos meios de produção e a organização do espaço dos objetos da natureza produzida é feita de acordo com o poder econômico do capital.


Quando acontece – por exemplo – um desastre ecológico como tem acontecido nos nossos dias, manifesta-se a natureza produzida como sendo um mundo estranho: ela é um aspecto dominante da Natureza do capital. Na verdade, o desastre ecológico é expressão das convulsões interna de sua forma social.


 - A natureza constitutiva

A natureza constitutiva é o corpo e mente dos humanos, a subjetividade do trabalho vivo e da força de trabalho como mercadoria. É a Natureza que nos constitui organicamente enquanto sujeitos vivos. Ela compõe corpo-mente dos sujeitos que trabalham, sendo ela a energia vital da atividade prático-sensível.


Na medida em que ele (o trabalhador) não tem o controle da atividade – pois os humanos se encontram sob o domínio da propriedade privada dos meios de produção – aquela atividade vital não lhe pertence e por conseguinte, ela lhe é estranha. Esta natureza constitutiva é uma natureza do capital.


Novamente, temos em Marx o tema do mundo estranho que lhe confronta hostilmente porque não lhes pertence (o trabalhador está alienado dele).  Assim, na medida em que os meios de produção não lhe pertencem, a natureza constitutiva – seu corpo e mente - se volta contra ele. A atividade humana prática (o trabalho estranhado] provoca no trabalhador, sofrimento, impotência, emasculação.


Diz Marx:

 [...] a atividade como sofrimento, a força como impotência, a procriação como emasculação  - a própria energia mental e física do trabalhador, a sua vida pessoal se volta contra ele, porque o que é vida estranhada senão atividade como uma atividade dirigida contra si mesmo, independente dele, não lhe pertencendo.


A atividade [Tätigkeit] – a força vital orgânica, mental, se dirige contra ele mesmo tal como uma coisa [Ding] que lhe defronta hostilmente. A natureza constitutiva também se convulsiona na medida em que ela é a Natureza do capital. O que se volta contra nós não é apenas a natureza externa, o meio-ambiente tornado mercadoria ou produto do trabalho objetivado dos humanos, mas a natureza interna, sua subjetividade (corpo e mente) adoecida.


A energia física e mental do trabalhador– isto é,

sua vida pessoal volta-se contra ele na medida em que aquela atividade não lhe pertence [. A vida é atividade – na medida em que a atividade prática dos humanos não lhes pertence, ela – a vida – volta-se contra ele mesmo como uma força independente.


Na verdade, ao ser consumida pelo capital, a força de trabalho como mercadoria não pertence ao trabalho vivo. Ela é independente do trabalhador na medida em que não lhe pertence. É assim, uma natureza estranhada ou ainda, autoalienada.


Esta natureza constitutiva se volta contra os humanos por meio do adoecimento físico ou mental (a doença como coisa). A atividade prática sensível – o processo de trabalho capitalista – danifica o trabalho vivo, pois inverte o sentido da atividade vital tornando-a expressão do sofrimento, impotência e emasculação.


Este aspecto é desprezado quando se fala em colapso ambiental pois entende-se que o colapso da Natureza do capital diz respeito apenas à natureza produzida – incluindo a biosfera no interior da qual opera a indústria do capital.


- A natureza compartilhada

 Este aspecto da Natureza do capital é o mais complexo. Natureza produzida diz respeito ao objeto e a natureza constituída diz respeito ao sujeito. A natureza compartilhada é a natureza da relação orgânica – social, psíquica e espiritual – dos humanos com outros humanos e consigo mesmo – mediada, é claro, pela Natureza produzida.


No Marx de 1844, a “essência humana” – que é histórico-material - diz respeito à capacidade de produção da vida social próprio do homo sapiens – mas não apenas: para isso, os humanos precisam cooperar e relacionar-se – consciente ou inconscientemente - com outros humanos e consigo mesmo.


A natureza compartilhada diz respeito, portanto, à genericidade humana, isto é, o fato dos humanos se reconhecerem não apenas como espécie humana, mas – espiritualmente - como gênero humano.


Do mesmo modo que outros aspectos, a natureza compartilhada foi alienada pelo poder sociometabólico do capital. É esta terceira determinação da Natureza tornada Natureza do capital que explica no século XXI, o sociometabolismo da barbárie, pois ao alienar-se da Natureza compartilhada, o sujeito humano danifica a autorreferência pessoal e o laço pessoal.


Esta forma de natureza é muito difícil de ser entendida como Natureza. As outras formas – natureza produzida ou natureza constitutiva - possuem dimensão orgânica ou inorgânica; mas a natureza compartilhada tem uma dimensão espiritual (consciência) que liga os humanos para além da mudez da espécie biológica.


Diz Marx:

Assim como as plantas, os animais, as pedras, o ar, a luz, etc., teoricamente fazem parte da consciência humana, em parte como objetos da Ciência Natural e em parte como objetos de arte, a sua natureza inorgânica espiritual, meio de vida espiritual que ele tem primeiro que preparar para a fruição e a digestão, eles também fazem praticamente parte da vida e da atividade humana.


Portanto, a natureza compartilhada é a unidade prático-espiritual entre os humanos e o meio-ambiente e entre os humanos entre si por meio do meio-ambiente, seja como objeto da Ciência Natural ou objetos da Arte.


A natureza compartilhada é meio de vida espiritual na medida em que são objetos da Ciência Natural e também da objetos de Arte, a “natureza inorgânica espiritual”, meio de vida espiritual que os humanos preparam a fruição e a digestão.


Esta “essência humana” - sob a Natureza do capital - obstaculiza o compartilhamento e a distribuição da riqueza social na medida em que se desenvolve as forças produtivas e o recuo das barreiras naturais. A natureza compartilhada tende a estar dissolvida na Natureza do capital.


A barbárie social oriunda do aprofundamento do estranhamento e do movimento da forma-capital, é a forma sociometabólica no interior da qual se desenvolve o capitalismo da catástrofe da Natureza do capital. Este é verdadeiramente um aspecto do colapso ambiental nada desprezível.

 

A Figura da Natureza invertida (a Natureza do capital)  

Marx expõe nos manuscritos de 1844  o que ele entende por Natureza e apresentamos acima a Gestalt da Natureza, isto é, a idéia de totalidade viva da Natureza - da qual faz parte os humanos.


A partir da crítica imanente do capital, devemos entender as dimensões da natureza expostas por Marx em 1844 como sendo aquilo que o poder econômico do capital subsumiu (e negou) no decorrer do processo de desenvolvimento histórico.


Portanto, o que temos efetivamente é a Natureza do capital, uma totalidade viva afetada de negação que preserva seus pressupostos naturais-materiais apenas enquanto pressupostos negados. Os sinais se invertem e a natureza que seria a Natureza dos humanos é efetivamente a Natureza do capital: a natureza é a natureza produzida - a biosfera-mercadoria convulsionada pelas contradições da forma-mercadoria. Depois, temos, a natureza que é natureza constitutiva a subjetividade dos humanos (corpo e mente) – subjetividade-mercadoria, trabalho vivo ou força de trabalho convulsionada pelas contradições da forma-mercadoria. E por fim, a natureza que é natureza compartilhada: as relações humanas dos humanos com humanos; e dos humanos consigo mesmo no plano da genericidade ou da espiritualidade que compartilha os resultados do processo civilizatório  ou ainda, a atividade vital prático-espiritual ou o trabalho que lhe permitiu ser universal e livre – isto é, lhe permitiu desenvolver a individualidade ou a vida individual na medida em que seus objetos foram compartilhados prático-espiritualmente.


Ao tornar-se Natureza do capital, a natureza compartilhada colapsa – tal como observamos nos nossos dias – e expõe-se o sociometabolismo da barbárie, o ensimesmamento ou particularismo que corrói a dimensão da genericidade reduzindo os humanos à sua dimensão animalesca (como Marx anotou quando tratou do trabalho estranhado).


Efetivamente, o homem é uma parte da natureza. Mas, o que está posto efetivamente é a Natureza do capital, por isso, o estranhamento ou alienação. Alienada dos humanos, o que temos nos defrontando é a Natureza...do capital.


Karl Marx conceituou a “fenda metabólica” muito mais tarde (em 1867) - em termos da crise de fertilidade do solo na Inglaterra do século XIX, em que os nutrientes do solo foram removidos da terra para a alimentação, sendo a fibra vegetal, por exemplo, enviada a centenas e até milhares, de quilômetros de distância para novos centros urbanos. Esses nutrientes não voltaram para a terra, mas se tornaram resíduos nas cidades.


Na verdade, o conceito de “fratura metabólica” descreve a Natureza do capital convulsionada pela sua forma social. A contradição valor de uso - valor explode no âmago da forma social, fazendo colapsar a Natureza do capital, expelindo deste modo, as contradições metabólicas, contradições de ordem superior.


A dialética materialista de Marx é a dialética da imanência da matéria social: o capital não está lá fora, mas sim, o capital somos nós (nosso poder social alienado), as relações sociais de produção que constituem o âmago do mundo real.


 Assim, o que significa o colapso ambiental na perspectiva da lógica imanente do capital?


Ele significa que a Natureza do capital colapsa por conta das contradições internas da própria forma-capital (a principal delas, valor de uso x valor – por exemplo).


As contradições fundamentais do capitalismo revolvem por dentro a Natureza do capital fazendo-a colapsar.  Não se trata do Capital – um ente exterior – fazendo colapsar a Natureza, pobre vítima do Antropoceno.


É preciso fazer um acerto das minhas posições teóricas passadas expostas em artigos e livros. Tenho procura aprimorar minha percepção e entendimento do significado das contradições metabólicas do capital. Esta postagem – portanto – tem um caráter de saudável autocrítica.  


Na medida em que as contradições fundamentais do modo de produção capitalista - as contradições que operam a dinâmica das crises cíclicas do sistema, foram se agudizando, provocaram saltos qualitativamente novos na dinâmica de desenvolvimento do capital, surgindo, deste modo, contradições de ordem superior: as contradições metabólicas.


As contradições metabólicas que se manifestam no século XXI – pela sua amplitude e intensidade - expressam efetivamente o colapso da forma-capital no que diz respeito – por exemplo – a Natureza do capital. Elas são contradições metabólicas porque elas se localizam no interior das dimensões da natureza con-formada pela relação-capital.


Assim, nesta atual fase de desenvolvimento, as contradições fundamentais fizeram expelir contradições metabólicas no interior do sistema do capital. As contradições metabólicas expelidas pelo movimento contraditório da forma-valor são qualitativamente diferentes das contradições fundamentais do modo de produção capitalista na medida em que dizem respeito aos fundamentos da reprodução social do sistema.


As contradições metabólicas nem sempre existiram – elas dizem respeito à etapa de crise estrutural do capital. Elas acusam a crise estrutural de reprodução social da humanidade. A rigor, não se trata de duas formas de contradições, mas as contradições do capital, na medida em que “explodiu” seus fundamentos na atual etapa de desenvolvimento do sistema, manifesta-se – no que diz respeito à Natureza do capital - como contradição metabólica.


Esta postagem é um exercício introdutório que exige, é claro, um maior tratamento da dialética imanente da forma-capital e suas contradições internas (fundamentais e metabólicas).


Nosso objetivo é romper com a visão dualista do colapso ambiental (capital versus Natureza) e defender uma visão imanente do colapso ambiental entendido como colapso da Natureza do capital.


O conceito de Natureza do capital é um conceito forte pois significa que o que está colapsando diante de nós é a própria forma-capital – cuja manifestação de colapso não se expressa apenas no colapso ambiental, mas no colapso social que caracteriza a civilização estranhada do capital.


Para finalizar, vejamos duas expressões algébricas das contradições metabólicas do capital:

A forma 1



 

A forma 2



Onde:

K é o capital enquanto forma social e desdobramento da forma-valor.

N é a Natureza (interna e externa, isto é, o meio-ambiente e o trabalho vivo)

Nk é a Natureza do capital que carrega dentro de si, a forma-valor, sendo expressão dela (Natureza-mercadoria).


Marx ao dizer que o mundo é uma imensa coleção de mercadorias, ele inclui  - é claro - a Natureza. Enquanto Natureza-mercadoria, a Natureza do capital carrega dentro de si, contradições internas que lhe dilaceram e que – com o aprofundamento das contradições fundamentais do capitalismo – aparecem como contradições metabólicas. A contradição carregada dentro da Natureza do capital, não é a contradição valor de uso-valor, mas a contradição do próprio capital.


Consideramos a forma 2 mais adequada para traduzir algebricamente a nossa hipótese – em contraste com a forma 1 que expressa – de forma inadvertida – um dualismo (capital versus Natureza).  


Ao invés de dois sistema – Capital versus Natureza, temos um sistema – o Capital que engloba na sua Gestalt estranhada, a Natureza tornada forma social do capital. Por isso, o colapso ambiental – que veio para ficar.


Nessa nova perspectiva, a teoria da fratura metabólica do capital não foi abandonada, mas si, reapropriada na perspectiva da teoria da lógica imanente do capital.


Pode-se ter um entendimento dualista da “fratura metabólica “ quando trabalhamos com dois sistemas: Capital “fratura” a Natureza.  Mas na verdade, o correto é: a Natureza está fraturada porque ela é a Natureza do capital. Ela não é a rigor, Natureza, mas sim uma forma-manifestação do capital. É uma natureza espectral - se podemos dizer assim.


A fratura metabólica ocorre dentro da Natureza por conta das próprias contradições materiais intrínsecas a ela e não por conta de uma ação exterior contra a Natureza como supõe por exemplo a teoria do Antropoceno e as teorias da Terra como Gaia vilipendiada pelo Homem.


Escrevemos noutro texto:


“Nas condições da crise estrutural do capital, as contradições metabólicas se precipitam [hinausstreibt] sobre as contradições fundamentais do capitalismo, que se tornam limites como barreiras que ele não pode ultrapassá-las”.  


Podemos revisar tal formulação dizendo:


"As contradições fundamentais do capital se precipitam sobre si mesmas na medida em que desenvolvem suas contradições no tempo-espaço da história. Ao se precipitarem sobre si mesmas, colapsam a Natureza – que é do capital -, explicitando as contradições metabólicas – contradições ordem superior".


Ou ainda:


"Na medida em que se manifestam, as contradições metabólicas (a convulsão da Natureza do capital) se precipitam, por sua vez, sobre as contradições fundamentais, tornando-se - elas, as contradições metabólicas - limites como barreiras que o capital não pode ultrapassar."


Todo movimento exposto faz parte da imanência do movimento do capital. Nada é exterior a ele. A Natureza do capital não pode ser resgatada ou restaurada por ações paliativas, mitigadoras ou técnicas. Os eventos climáticos extremos fazem parte da "nova normalidade" do sistema do capital. Explicita-se no século XXI a convulsão da Natureza da forma-capital.


A única saída seria abolir efetivamente a forma-capital, instaurando formas de controle social e formas comunais capazes de ir além da forma-valor, forma essencial constitutiva da Natureza que nos defronta e que colapsa irremediavelmente.

 

 


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